sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Maias continuam a surpreenderem arqueólogos.

Autor: John Noble Wilford
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2006, Vida&, p. A34

Descobertas recentes na Guatemala revelam escrita e simbologia sofisticadas mil anos antes da época clássica

Nos muros sagrados e no interior das galerias escuras de ruínas antigas na Guatemala, arqueólogos estão fazendo descobertas que lançam luz sobre a vibrante civilização maia em seu período de formação, abrangendo mais de mil anos antes da celebrada época clássica.

As intrigantes descobertas, que incluem obras-primas artísticas e o mais antigo escrito maia conhecido, derrubam velhas idéias sobre o período pré-clássico. Ele não foi, como se pensava, uma espécie de idade das trevas de uma cultura que floresceu nos tempos clássicos, em lugares como a espetacular ruína imperial de Palenque (México), começando por volta de 250 d.C. e entrando em colapso misteriosamente por volta de 900 d.C.

No negligenciado centro cerimonial de pirâmides e praças espaçosas, uma localidade remota no nordeste da Guatemala conhecida como San Bartolo, arqueólogos descobriram restos inesperados de murais em cores vivas retratando a mitologia maia da criação e da realeza.

Os murais datam de 100 a.C. Uma coluna de hieróglifos próxima, um ou dois séculos mais antiga, atesta um sistema de escrita já bastante desenvolvido.

CONTINUIDADE

As descobertas, anunciadas ao longo dos últimos seis meses por uma equipe americana-guatemalteca liderada por William A. Saturno, da Universidade de New Hampshire, empolgam a pequena comunidade dos estudiosos da civilização maia.

Eles vêem essas descobertas como fortes evidências da origem antiga e da notável continuidade dos conceitos de cosmologia e governança da cultura maia ao longo de mais de um milênio antes da era clássica.

Depois de uma visita a San Bartolo, Michael D. Coe, estudioso dos maias da Universidade Yale, qualificou os murais como "uma das maiores descobertas maias de todos os tempos". "Estamos entrando numa idade de ouro do estudo pré-clássico", avalia Stephen Houston, especialista em hieróglifos maias da Universidade Brown. Para ele, a pesquisa dos maias será marcada por uma fase anterior à descoberta dessas pinturas e uma fase posterior.

"San Bartolo empolga investigações mais profundas do período pré-clássico", disse Julia Guernsey, especialista em história da arte e iconografia maia da Universidade do Texas. Em seu livro Ritual and Power in Stone (Ritual e Poder em Pedra), a ser publicado em dezembro, Guernsey analisa vários exemplos de fachadas em estuque, murais pintados e monumentos entalhados que ilustram o desenvolvimento pré-clássico da iconografia dos conceitos maias da criação, do mundo espiritual e do poder.

QUADRIFÓLIO

Há um novo foco, disse Guernsey, num motivo comum em monumentos do período clássico que agora é cada vez mais reconhecido já em meados da era pré-clássica, de 900 a.C. a 300 a.C. Ele é conhecido como quadrifólio.

O desenho, parecido com um trevo de quatro folhas, é encontrado em arranjos de pedras, entalhado na pedra ou emoldurado por terra e argila pintada em locais cerimoniais.

Outros exemplos pré-clássicos são examinados em Izapa, onde há quadrifólios e monumentos datados entre 300 a.C. e 50 a.C. Um trono de Izapa é emoldurado por um quadrifólio. Imagens similares foram descobertas em Chalcatzingo, datando de 700 a.C.

Os arqueólogos dizem que o quadrifólio, muitas vezes em associação com canais e bacias d'água, pode ter sido parte da iconografia em cerimônias para os deuses da chuva e da fertilidade. Em outros casos, ele emoldura a entrada de uma caverna, talvez simbolizando a criação e o sobrenatural. Guernsey supõe que o quadrifólio, antes negligenciado, pode ter sido um objeto em exibições públicas nas quais o governante dançava e passava pelo centro aberto, num ritual que demonstrava seu poder de interceder perante os deuses, base de sua autoridade como líder.

ESCRITA MISTERIOSA

Um novo quebra-cabeça ainda sem solução é a escritura maia pré-clássica encontrada em San Bartolo. A coluna de dez hieróglifos, pintados em preto sobre gesso branco, sem dúvida contém escritos maias datados entre 300 a.C. e 200 a.C., dizem os especialistas. Por enquanto, os símbolos são indecifráveis.

Segundo Saturno e seus colegas, a coluna "mostra que um sistema de escrita maia desenvolvido era usado séculos antes do que se pensava". Houston, da Universidade Brown, concorda, afirmando que a sofisticação da técnica do escriba e o repertório de sinais sugerem que "o sistema não foi inventado no dia anterior".