sábado, 25 de julho de 2009

Mitologia - Saturno

Numa era muito antiga — tão antiga que antes dela só havia o caos — o mundo era governado pelo Céu, filho da Terra. Um dia, este, unindo-se à própria mãe, gerou uma raça de seres prodigiosos, chamados Titãs. Ocorre que o Céu — deus poderoso e nem um pouco clemente — irritou-se, certa feita, com as afrontas que imaginava receber de seus filhos. Por isto, decidiu encerrá-los nas profundezas do ventre da própria esposa, à medida que eles iam nascendo.
— Aí ficarão para sempre, no ventre da Terra, para que nunca mais ousem desafiar a minha autoridade! — exclamou, colericamente, o deus soberano.
A Terra, subjugada, teve de segurar em suas entranhas, durante muitas eras, aquelas turbulentas criaturas e suportar, ao mesmo tempo, o assédio insaciável e ininterrupto do marido. Um dia, porém, farta de tanta tirania, decidiu a mãe do mundo que um de seus filhos deveria libertá-la deste tormento. Para tanto escolheu Saturno, o mais jovem de seus rebentos.
— Saturno, meu filho — disse a Terra, lavada em pranto -, somente você poderá libertar-me da tirania de seu pai e conquistar para si o mando supremo do Universo!
O jovem e ambicioso Titã sentiu um frêmito percorrer suas entranhas.
— Diga, minha mãe, o que devo fazer para livrá-la de tamanha dor! — disse Saturno, disposto a tudo para chegar logo à segunda parte do plano.
A Terra, erguendo uma enorme foice de diamante, entregou-a ao filho.
"Tome e use-a da melhor maneira que puder!", disseram seus olhos, onde errava um misto de vergonha e esperança.
Saturno apanhou a foice e não hesitou um instante: dirigiu-se logo para o local onde seu velho pai descansava. Ao chegar no azulado palácio erguido nos céus, encontrou-o ressonando sobre um grande leito acolchoado de nuvens.
— Dorme, o tirano... — sussurrou baixinho.
Saturno, depois de examinar por algum tempo o rosto do impiedoso deus, empunhou a foice e pensou consigo mesmo: "Realmente... demasiado soturno."
E fez descer o terrível gume, logo abaixo da cintura do pobre Céu.
Um grito terrível, como jamais se ouvira em todo o Universo, ecoou na abóbada celestial, despertando toda a criação.
— Quem ousou levantar mão ímpia contra o soberano do mundo? — gritou o Céu, com as mãos postas sobre a ensangüentada virilha.
— Isto é pelos tormentos que infligiu à minha mãe, bem como a mim e a meus irmãos — respondeu Saturno, ainda a brandir a foice manchada de sangue.
Os testículos do Céu, arrancados pelo golpe certeiro da foice, voaram longe e foram cair no oceano, com um baque tremendo. Em seguida, o deus ferido caiu, exangue, sobre seu leito acolchoado, sem poder dizer mais nada. As nuvens que lhe serviam de leito tingiram-se de um vermelho tal que durante o dia inteiro houve como que um infinito e escarlate crepúsculo. Saturno, eufórico, foi logo contar a proeza à sua mãe.
— Isto é que é filho — disse a Terra, abraçada ao jovem parricida. Imediatamente foram soltos todos os outros Titãs, irmãos de Saturno. Este, por sua vez, recebeu a sua recompensa: era agora o senhor inconteste de todo o Universo.
Quando a noite caiu, entretanto, escutou-se uma voz espectral descer da grande cúpula côncava dos céus:
— Ai de você, rebento infame, que manchou a mão no sangue do seu próprio pai! Do mesmo modo que usurpou o mando supremo, irá também um dia perdê-lo...
Saturno assustou-se a princípio, mas em seguida ordenou a seus pares que recomeçassem os festejos.
— Ora, ameaçazinhas... Deus morto, deus posto! — exclamou, com um riso talhado no rosto.
Mas aquela profecia, irritante como um mosquito, ficara ecoando na sua mente, até que Saturno, por fim, reconheceu-se também meio soturno:
— Será que uma vitória, neste mundo, não pode ser nunca completa?

Ecoturismo e Mudança Social na Amazõnia Rural.

Ecoturismo e Mudança Social na Amazônia Rural: efeitos sobre o papel da mulher e as relações de gênero
Nelissa Peralta, Edna Ferreira Alencar


Resumo


O ecoturismo tem sido desenvolvido com o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população, principalmente em áreas rurais, mas há poucas pesquisas analisando o que os projetos representam para os indivíduos. O artigo discute as mudanças sociais na esfera doméstica da unidade domiciliar principalmente no que se refere ao papel da mulher e às relações entre gêneros. A pesquisa foi realizada em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável na região do Médio Solimões, utilizando como metodologia a observação participante e entrevistas abertas. Os resultados da pesquisa demonstram que o ecoturismo gerou renda de forma significativa, aumentando em 148% o poder de compra em uma das comunidades estudadas. O acesso à renda provocou maior independência econômica para as mulheres, maior poder na alocação de recursos, maior acesso a redes de comunicação fora da esfera doméstica e maior reflexão sobre as desigualdades entre os gêneros, mas não necessariamente uma diminuição destas desigualdades.

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segunda-feira, 20 de julho de 2009

Academia Brasileira de Ciências, e a opnião do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Mensagem do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, lida pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia
2/05/2009.


Mensagem do Senhor Presidente da República por ocasião de sessão solene da Academia Brasileira de Ciências Rio de Janeiro, 28 de maio de 2001

É com grande satisfação que me dirijo aos participantes desta sessão em que são empossados os novos membros eleitos da Academia Brasileira de Ciências. Esta é uma instituição que tem tradição, e é símbolo do compromisso com o avanço da ciência e da tecnologia no Brasil, desde 1916.

A tradição, em matéria científica, é sempre algo ambíguo. Por um lado, é essencial o contato com o passado, o conhecimento do que já se fez, a herança das conquistas acumuladas pelas gerações anteriores. Ao mesmo tempo, a ciência envolve necessariamente abertura para o futuro, para o novo, para a descoberta e a inovação.

A Academia Brasileira de Ciências tem sabido realizar uma síntese muito feliz dessas duas exigências. Tem feito isso, entre outras razões, porque é uma instituição que soube valorizar o mérito científico real, e continua a sabê-lo, como se pode apreciar pela qualidade da escolha dos novos acadêmicos.

A Academia é um fator de congregação da comunidade científica. Tem favorecido o contato entre essa comunidade, de um lado, e a sociedade civil e o Governo, de outro. É importante que a ciência tenha voz ativa, tenha presença no cenário nacional.

Os programas da Academia têm dado ênfase, por exemplo, a questões ambientais, ao problema da biodiversidade, o que é indispensável no momento atual. Aprimoram a organização e administração da informação científica, como no projeto "ABCDados", de especial importância para a área da saúde. Ajudam a preservar a memória científica nacional, com a organização de documentos de valor histórico e a realização de entrevistas e depoimentos de cientistas brasileiros.

Um programa que me parece de especial interesse é o que se destina a fomentar a educação científica. O Brasil vem empreendendo um esforço extraordinário de fortalecimento do ensino público, do acesso das crianças à escola, enfim, dos diversos elementos indispensáveis para que o País dê um salto qualitativo na educação. Esse salto já começou.

É fundamental que o progresso na educação seja não apenas quantitativo, mas qualitativo. As crianças e jovens brasileiros devem ter acesso ao que há de melhor no pensamento e no conhecimento. Além disso, a Academia tem uma participação de relevo em programas de cooperação regional e internacional, o que é essencial no momento em que o Brasil se prepara para os desafios do século XXI. Parte desses desafios consiste em que nenhum país pode se fechar em si mesmo. A ciência - que ocupa posição tão central na economia e no desenvolvimento - não é nacional, é universal, é uma conquista do gênero humano. E o Brasil do século XXI quer estar em sintonia com essa universalidade, quer estar nas fronteiras do conhecimento.

Meus parabéns a todos os membros da Academia, muito especialmente os que hoje se incorporam, entre os quais conto vários amigos, e meus votos de êxito cada vez maior em suas atividades. Quero, particularmente, congratular o Professor Eduardo Moacyr Krieger, cuja recondução à presidência é uma garantia de fortalecimento ainda maior da Academia.

Humanismo Ecológico.

Existe contradição entre desenvolvimento e meio ambiente? Aqui está a questão fundamental do século XXI. No passado, a ideologia do progresso subordinou a Natureza ao crescimento econômico. Hoje, com as mudanças climáticas, a nave Terra dá seu troco.

Foi José Lutzemberger, no Brasil, quem melhor utilizou o conceito da ¿nave finita¿ para denunciar a dilapidação dos recursos naturais. No Manifesto Ecológico, publicado em 1976, o agrônomo gaúcho afirmava que o homem, promotor do crescimento desenfreado, carregava consigo o germe da destruição.

O ecologismo, quando surgiu, se opôs ao paradigma econômico que dominava tanto o capitalismo quanto o comunismo. Nem esquerda nem direita entenderam direito o surgimento do movimento ecológico. Humanismo mais tecnologia, misturado com a prepotência, resultou na ¿religião do progresso¿. Um equívoco atroz.

O efeito estufa, uma verdade inconveniente, segundo Al Gore, é simbólico para causar um despertar definitivo, talvez a última chance. Nenhuma ideologia, nenhum sistema, nenhuma religião, tem sido capaz de enfrentar o dilema da sobrevivência humana. Chegou a hora de formular novo conceito, um humanismo ecológico. A razão, sim; a ciência, sim; a arrogância, não.

O senhor da razão precisa tomar umas pílulas de humildade, e mudar sua postura, suas atitudes, suas ações frente aos dilemas expostos pela Natureza. E não adianta dourar essa pílula: sem reduzir a pressão populacional não se vence essa batalha. Na tarefa de salvar a Terra, convencer a Igreja a aderir ao controle da natalidade é imprescindível.

Um grande desafio do humanismo ecológico será vencer o raciocínio banal, dualista, que cria polaridades e favorece o beco sem saída. Ora, no estudo da ecologia se aprende que a simbiose é uma relação entre seres vivos em que prevalecem vantagens mútuas. Ao contrário da predação, quando uma espécie se sobrepõe a outra, na simbiose ambos ganham. A complementaridade substitui a subordinação.

Em qualquer ramo de atividade, urbano ou rural, a grande tarefa é saber incorporar a dimensão ambiental ao seio da produção, resumindo as duas equações numa só. Isso exigirá inteligência e desprendimento capazes de vencer dualismos e negar oposições. Trata-se de somar forças, unir conceitos, quebrar paradigmas.

Discute-se o impacto ambiental das grandes obras no país. O raciocínio bestial, apimentado pela política, novamente cria falsa polaridade. Produzir energia ou preservar a biodiversidade. Ora, os dois ao mesmo tempo. Técnicos da matéria dispõem de conhecimento para saber mitigar os efeitos danosos das intervenções ao meio ambiente, sem comprometer o futuro. O licenciamento ambiental pode ser rígido, e também mais rápido. O resto é incompetência da burocracia. Ou, então, o velho esquema de criar dificuldades para vender facilidade.

Na agropecuária, em que se questiona principalmente a produção de soja e de carne bovina na Amazônia, ou a produção será sustentável, ou não valerá a pena semear. Nem sequer, logo mais, haverá mercado. Ao contrário de desmatar, carece agora recompor o desflorestamento estúpido realizado no passado. É crucial, também, a conservação do solo e dos recursos hídricos.

Passou a época de discutir se preserva ou produz. Há que se produzir conservando.

¿Namorando a Terra¿ é o título de um notável livro de René Dumond. Nele, o francês proclama sua confiança na capacidade de recuperação ambiental da Terra. O livro é, ao mesmo tempo, conforme reconhece o autor, doce e amargo. Ele aposta na superação do dilema entre o homem e o meio ambiente.

Essa convergência, entre a ecologia e a antropologia, virá em duas frentes. Por um lado, o ambientalismo, após sua fase romântica, procurando resultados concretos. De outro, o produtivismo aprendendo, na marra, que o progresso não pode ser uma promissória contra o futuro.

Basta investir na educação ambiental.


XICO GRAZIANO é deputado federal (PSDB-S). E-mail: xicograziano@terra.com.br.